Compra feita sem licitação levanta suspeita de superfaturamento de quase R$ 3 milhões
Por Redação O CONTEXTO
A autonomia para as prefeituras gastarem como quiserem os recursos recebidos pela venda da Cedae – num valor global que ultrapassa R$ 20 bilhões – mais uma vez, levanta suspeitas sobre os valores investidos. Com verba proveniente do leilão da estatal estadual, a Fundação de Saúde da Prefeitura de São Gonçalo realizou uma compra de mais de R$ 6 milhões, sem licitação e sequer publicação em Diário Oficial
Apesar do gasto alto e das suspeitas de superfaturamento, que podem chegar a R$ 2.700.000,00, é fácil encontrar cadeiras, mesas e demais itens rasgados, quebrados e com aparência bastante desgastada pelo tempo.
Cadeiras longarinas, que ficam nas recepções e salões de espera, são de plástico, material aquém ao gasto milionário feito pela Prefeitura de São Gonçalo, através da Fundação Municipal de Saúde, setor responsável pelas licitações e compras, pagamentos a fornecedores e pessoal contratado, entre outras funções.
Em alguns itens, foram constatados aumentos de até quatro vezes em relação aos valores de mercado. Entre abril e junho de 2022, foram comprados mais de quatro mil itens, que juntos somaram R$ 6.082.808,29, distribuídos entre armários e cadeiras de diversos tipos, ventiladores, entre outros.
Nos documentos onde estão as especificações dos móveis comprados, e suas quantidades, a fonte dos mais de R$ 6 milhões informada é descrita como “Concessão Cedae”, não restando dúvidas sobre a origem dos recursos.

Consórcio formado por três empresas
O consórcio Edutec, formado pelas empresas Polibox Sistemas Construtivos LTDA, de Guaramirim, Santa Catarina; ATC Business Comércio e Representação Eireli, de Belo Horizonte, Minas Gerais; e Hawai 2010, de São Gonçalo, Rio de Janeiro, foi o responsável pela venda e fornecimento dos itens.

Chama atenção os preços unitários de alguns itens, como uma cadeira giratória (diretoria) comprada por R$ 3.131,00. Segundo apuração do RJTV (Globo), que denunciou o caso, foram adquiridas 18 unidades ao custo de R$ 56.358,00.
O jornalismo da emissora carioca realizou uma tomada (pesquisas) de preços sobre todos os itens comprados com os mais de R$ 6 milhões e encontrou diferenças bem acima do mercado.
A cadeira de R$ 3.131,00 foi encontrada por R$ 2.152,94. Entre os itens que mais causaram estranheza está a compra de 22 armários de quatro portas para a “diretoria”. Cada um saiu a R$ 4.949,00, totalizando R$ 108.878,00. Já na pesquisa de preços, os mesmos armários foram encontrados por R$ 1.889,93, o que reduz o valor total para R$ 41.578,46. Seria uma economia de R$ 67.299,54 somente nesses 22 itens.
Em outras 509 cadeiras giratórias com apoio de braço PP, a Fundação de Saúde da Prefeitura de São Gonçalo pagou R$ 719.726,00, saindo cada unidade a R$ 1.414,00. A reportagem encontrou a mesma cadeira por R$ 370,13 cada, somando R$ 188.396,17. Uma diferença sem explicação de R$ 531.329,83.
Cadeiras executivas giratórias foram compradas por R$ 1.550,00, quando poderiam ter sido compradas por R$ 520,76, cada uma. Também causa espanto as 400 longarinas de plástico adquiridas por R$ 1.290,00 cada. Na comparação, elas foram encontradas por R$ 517,67. Neste caso, a diferença foi de R$ 308.932,00.

Somando todos os sobrepreços, o prefeito de São Gonçalo, Capitão Nelson (PL), pode ter pago R$ 2.700.000,00 a mais pelos móveis.
Sem licitação, a prefeitura se baseou em uma cotação de preços feita antes por outros municípios, em um consórcio que reúne 80 cidades mineiras.
Uma compra feita através do consórcio mineiro em Rondônia, com as mesmas características da feita em São Gonçalo, no valor de R$ 21.719.646,00, foi questionada pelo Tribunal de Contas do Estado de Rondônia (TCE).
Os técnicos do órgão listaram uma série de irregularidades, entre elas a não comprovação de que os preços contratados do consórcio foram os mais vantajosos, e nem que correspondem ao mercado, apontando fragilidade às cotações feitas pelo consórcio.
Os conselheiros do TCE de Rondônia pediram a suspensão do contrato e o cancelamento do pagamento.
Empresa é fornecedora antiga da prefeitura
Nos últimos anos, uma das três empresas do consórcio Edutec, a Hawai 2010, que tem sede no Centro, em São Gonçalo, e capital social de R$ 5 milhões, vem fornecendo produtos para a prefeitura da cidade.
Em dezembro de 2021, o prefeito Capitão Nelson assinou um decreto cancelando saldos de restos a pagar referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, do governo antecessor ao seu. Na ocasião, a Hawai 2010 aparece na lista de credores com um saldo de R$ 219.565,20. A empresa já foi alvo de investigação do Ministério Público.
Ignorando as enormes diferenças entre os valores pagos e os aplicados no mercado, a Prefeitura de São Gonçalo respondeu que “respeitou os trâmites legais na adesão à ata e que uma equipe da Saúde fez uma cotação de preço, pois não poderia aderir à ata se os valores estivessem acima dos de mercado. Afirmou ainda que o processo foi homologado, que os móveis foram entregues atendendo as especificações do contrato e serão utilizados quando as unidades de saúde em reforma ficarem prontas”.
O governo não forneceu imagens dos mais de quatro mil móveis que afirma ter recebido do consórcio Edutec.
Vereadores: maioria subserviente ao governo
Com uma oposição pífia contra o governo de Capitão Nelson na Câmara de Vereadores de São Gonçalo, onde apenas três dos 27 assumem tal posicionamento, parece que a maioria esqueceu qual é a sua função no poder legislativo municipal. O CONTEXTO relembra:
“O vereador é a ligação entre o governo e o povo. Ele tem o poder de ouvir o que os eleitores querem, propor e aprovar esses pedidos na câmara municipal e fiscalizar se o prefeito e seus secretários estão colocando essas demandas em prática… Ao vereador cabe elaborar as leis municipais e fiscalizar a atuação do Executivo – no caso, o prefeito… Os vereadores também têm o poder e o dever de fiscalizar a administração, cuidando da aplicação dos recursos e observando o orçamento. É dever deles acompanhar o Poder Executivo, principalmente em relação ao cumprimento das leis e da boa aplicação e gestão do dinheiro público…”.
Saiba mais clicando no link: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2016/Setembro/vereador-conheca-o-papel-e-as-funcoes-desse-representante-politico
Atualmente, a maioria dos parlamentares compõem a base governista e se limitam a acompanhar obras e ações de manutenção em seus redutos eleitorais nos bairros da cidade.
Fato é que São Gonçalo parece ter parado no tempo quando o assunto é desenvolvimento, ao contrário dos problemas não resolvidos no município, que só aumentam devido à falta de políticas públicas e investimentos em infraestrutura e geração de emprego, renda e oportunidades.
Na noite desta quinta-feira (26/01), Dimas Gadelha (PT), que vai assumir o primeiro mandato de deputado federal no dia 1º de fevereiro, destacou a situação de subserviência à prefeitura no legislativo gonçalense.
“Lamentável o mau uso do dinheiro da venda da Cedae: licitações suspeitas, obras de maquiagem, preços abusivos e falta de prioridades. Cadê os vereadores? Deveriam formar uma comissão na Câmara para fiscalizar e garantir transparência aos gastos do governo, principalmente referentes aos quase R$ 1 bilhão que a prefeitura recebeu com a privatização da Cedae”, questionou Dimas em suas redes sociais, garantindo que, ao assumir o mandato em Brasília, vai acompanhar de perto investigações a fim de “não deixar impunes aqueles que estão se apropriando do bilhão da Cedae destinado a São Gonçalo”.
