Por Patrick Guimarães
São Gonçalo ganhou notoriedade nas últimas semanas devido à vacinação acelerada. Num primeiro momento, é crível enxergar com bons olhos a cidade estar vacinando pessoas com 18 anos ou mais. Entretanto, no senso comum a situação disfarça um problema que tende a se arrastar daqui para frente. E não é mera opinião. Os dados da própria Secretaria de Saúde do município mostram isso. Enquanto a prefeitura ostenta a vacinação de mais de 60% do público alvo com a primeira dose, a taxa de vacinação da segunda aplicação dos imunizantes representa pouco mais de 20%, número real de pessoas imunizadas na cidade.
Apresentando claro objetivo de ganhar publicidade, de graça, a Secretaria de Saúde correu para acelerar o calendário e atingir a menor idade mínima de vacinação, buscando superar outros municípios fluminenses. Mas o tiro saiu pela culatra, já que os veículos de imprensa e profissionais ligados à área da Saúde não engoliram a situação do calendário de vacinação em São Gonçalo e então surgiu uma série de questionamentos.
Sem previsão de retomada das doses
“Não temos previsão para retomar a vacinação. Tenta encontrar em outro posto”. Isso foi o que a cozinheira Andressa Raquel, de 29 anos, ouviu de um funcionário da UMPA Nova Cidade, na última segunda-feira (12/07), ao buscar a imunização.
Moradora da Rua Resende, no bairro Trindade, neste dia ela seguiu a orientação do funcionário da UMPA e foi até outra unidade de vacinação.
“Tinha esperança de tomar a primeira dose da vacina neste dia, pois tenho dificuldades devido ao horário de trabalho. Só depois que fui ao segundo posto (Clínica da Família, em frente ao 7º BPM (São Gonçalo), que descobri não haver vacina em nenhuma unidade. A prefeitura tinha anunciado a suspensão da aplicação das primeiras doses. Achei um absurdo o funcionário (da UMPA) me orientar a procurar outra unidade. Se ele não sabia é pior ainda, pois demonstra não haver comunicação entre as equipes”, disse Andressa.
No sábado passado (10/07), a Secretaria de Saúde de São Gonçalo chegou a anunciar o recebimento de mais 6.540 doses de Coronavac e outras 11.178 da Pfizer, e garantiu a continuidade da vacinação para toda a população com mais de 18 anos na segunda-feira (12). Mas na segunda de manhã já não havia mais vacinas e a população sequer foi avisada.
A entrevistada diz ainda conhecer outras pessoas no seu bairro, com idades distintas, que ainda não tomaram a primeira dose da vacina. “Só da minha rua, duas pessoas foram comigo à UMPA nesse dia e também não conseguiram”, revela.
Também na segunda-feira passada (12), Regiane Araújo, autônoma de 31 anos e moradora de Guaxindiba, foi ao CRAS de Vista Alegre, na parte da manhã, mas foi informada sobre o fim das doses na cidade e saiu de lá sem nenhuma previsão para a retomada da imunização.
“Se está divulgando a vacinação de 18 anos ou mais, acho que deveria ter a quantidade certa para todos. O prazo de vacinação entre as idades também precisa ser maior. Muita gente não consegue comparecer por motivos diversos nas datas. A minha idade, por exemplo, foi um dia só”, questiona Regiane.
Recentemente, a prefeitura de São Gonçalo chegou a criar um selo com os seguintes dizeres: “Orgulho de ser gonçalense – 1ª cidade do Brasil a vacinar 18 anos”. No meio do selo diz: “Eu fui vacinado”.
Entretanto, podemos perceber que a realidade é outra, visto que milhares de pessoas ainda não tomaram a vacina, às vezes por falta de condições para se locomover, às vezes por falta de tempo ou até de informação a respeito. É comum encontrar pessoas de diferentes idades que não foram imunizadas na cidade.
Para muitos, acelerar a vacinação foi uma forma de abafar os escândalos de corrupção envolvendo o atual secretário de Saúde, André Carvalho Vargas. Fatos esses amplamente divulgados pela imprensa, inclusive televisiva. Relembre um dos casos clicando aqui: https://globoplay.globo.com/v/9523366/?s=0s.
Dados não revelam a realidade
No mês passado, O CONTEXTO solicitou dados sobre a vacinação na cidade à Prefeitura de São Gonçalo. Apesar de terem respondido algumas questões, faltaram os números populacionais por faixa etária e qual o percentual de vacinação de cada idade. Na contramão da transparência, o executivo gonçalense fez uma “salada mista” e expõe os dados divididos em grupos da seguinte forma:
- Todos os trabalhadores da saúde (sem especificar as idades);
- Todos os idosos com mais de 60 anos (todas as idades juntas);
- Todos os funcionários e pessoas em Instituições de Longa Permanência (Ilpis) e de residências terapêuticas (sem especificar as idades);
- Indígenas (sem especificar as idades);
- Pessoas com comorbidades (sem especificar as idades);
- Pessoas com deficiência permanente (sem especificar as idades);
- Trabalhadores da educação (sem especificar as idades);
- Trabalhadores das forças de segurança e salvamento (sem especificar as idades);
- Acamados (sem especificar as idades);
- Pessoas privadas de liberdade (sem especificar as idades);
- Pessoas em situação de rua (sem especificar as idades);
- Portuários (sem especificar as idades);
- Gestantes, puérperas e lactantes (sem especificar as idades);
- População em geral de 18 anos até 60 anos (sem especificar as idades);
Ilustrando, em hipótese, imagine que São Gonçalo tenha 100 mil pessoas com 40 anos, mas somente 30 mil foram aos postos se imunizar. Sobram 70 mil vacinas. Ou seja, 70% nesta faixa de idade não tomaram a vacina.
Os dados por idade são importantes para saber a real situação da imunização da população na cidade. Sem as informações detalhadas por faixa etária, permanece oculto o percentual real. A própria prefeitura parece não obter esse levantamento.
O CONTEXTO solicitou os dados de modo detalhado, como mostra o exemplo abaixo:
Total de pessoas com 18 anos – 53 mil / Total vacinadas: ???
Total de pessoas com 19 anos – 33 mil / Total vacinadas: ???
E assim por diante…
No calendário acelerado, sem se preocupar com os excluídos, as doses excedentes são repassadas para idades menores com maior velocidade. Entretanto, a taxa real de pessoas imunizadas com as duas doses na cidade é de poucos pontos percentuais acima de 20%. Isso sem contar os que nem a primeira dose tomaram.
Após optar pelo adiantamento do calendário e ignorar quem não se vacinou, como já era esperado, as vacinas acabaram e a prefeitura precisou interromper a aplicação da primeira dose no município, na última segunda-feira (12/07).
Responsabilidade na gestão
Já o município vizinho Niterói divulgou nesta semana a vacinação de adolescentes de 12 a 18 anos, porém somente aqueles que possuem comorbidades. A medida não interfere na vacinação por faixa de idade, já que lá o governo tem feito o dever de casa ao se preocupar em cobrir de verdade toda a população, sem deixar retardatários para traz entregues à própria sorte.
No último dia 6, Niterói anunciou a vacinação de toda a população acima de 18 anos até o mês de agosto. Enquanto diversas cidades continuam seguindo protocolos que visam atingir toda a população vacinação, São Gonçalo passou a última semana inteira sem aplicar primeiras doses.